Nesta semana, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump cancelou a viagem que faria à Dinamarca no início de setembro ao saber que a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen não estava interessada em falar de um plano que ela chamou de “absurdo”: a venda da Groenlândia ao governo americano. Observadores mais atentos lembraram de outras controvérsias nos últimos anos envolvendo Suécia, Noruega e Finlândia, o que, para esses analistas, parece atestar que, com manifestações que causaram perplexidade, riso ou raiva, o mandatário dos EUA tem uma certa “obsessão escandinava”. Mas por quê?
O primeiro comentário da série ocorreu em fevereiro de 2017. Em um comício na Flórida, ao falar sobre problemas sociais que, segundo Trump, estariam sendo causados por novas levas de imigrantes, ele disse que, por causa da chegada de um “grande número” de estrangeiros não-brancos, a Suécia “está tendo problemas que ela nunca imaginou ser possível”. “Veja o que aconteceu ontem à noite na Suécia”, disse. Os suecos não faziam ideia do que se tratava. Depois, descobriu-se que Trump fizera referência a uma notícia envolvendo imigrantes na Suécia a que ele havia assistido no canal Fox News.
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(Curiosamente, dois dias depois, houve tumultos em um bairro de imigrantes em Estocolmo. O jornal The New York Times revelou mais tarde que equipes de televisão russas pagavam jovens imigrantes para “criar problemas” na frente das câmeras. “Eles queriam mostrar que o presidente Trump está certo sobre a Suécia”, relatou uma testemunha.)
A Noruega foi a próxima na lista de comentários incômodos (ou, para muitos, ofensivos) feitos pelo presidente americano. Em janeiro de 2018, ele disse em reunião a portas fechadas com congressistas que queria que os EUA recebessem menos imigrantes de “países de merda”, como o Haiti, e mais de “lugares como a Noruega”. Noruegueses de todas as preferências políticas foram para as redes sociais para rebater a declaração. “Em nome da Noruega, não, obrigado”, escreveu no Twitter o político conservador Torbjorn Saetre.
Meses depois, em novembro, as baterias voltaram-se para a Finlândia. Segundo Trump, o presidente finlandês havia dito a ele que seu país evitava incêndios florestais varrendo o chão da floresta. O relato do presidente Sauli Niinistö foi outro: de acordo com Niinistö, o que ele disse a Trump foi que a Finlândia tinha um bom sistema de vigilância para rastrear incêndios. Na esteira do comentário, os finlandeses foram às redes sociais explicar a Trump que, com grande parte de seu território coberto por florestas, simplesmente não haveria gente suficiente para tanta varrição.
E a lista não termina aí. Em julho deste ano, apenas um mês antes da revelação do plano de comprar a Groenlândia, Trump voltou a se envolver em polêmica com os suecos ao interceder pelo rapper americano A$AP Rocky, que havia sido preso após uma briga em Estocolmo. Pressionado por celebridades como Kim Kardashian, Diddy, Justin Bieber e Shawn Mendes, Trump telefonou para o primeiro-ministro Stefan Löfven (na foto acima, em encontro com o presidente americano) para pedir que ele interviesse em favor do artista. Löfven disse que nada poderia fazer e que o artista não receberia tratamento especial apenas por ser famoso.
Muitos suecos ficaram incrédulos com a aparente crença de Trump de que um líder político poderia interferir abertamente em um caso criminal. O ex-primeiro-ministro Carl Bildt (um político de direita, diferentemente de Löfven, que é de esquerda) escreveu: “Certamente existem países (…) nos quais o Judiciário é pouco mais que um instrumento dos poderes arbitrários do mandatário do momento. A Suécia certamente não é um desses países.”
Relatório enviesado, inveja reprimida
“Todos esses episódios com os países nórdicos mostram que Trump os vê como lugares pequenos e pitorescos, com regras engraçadas, que os EUA podem ignorar, e ideias mal-intencionadas sobre coisas como imigração”, escreveu Leonid Bershidsky, colunista de Europa da agência Bloomberg.
Não ajuda em nada quando o Conselho de Consultores Econômicos do presidente americano produz relatórios como Os custos de oportunidade do socialismo, publicado no ano passado com críticas às políticas sociais dos nórdicos. “O documento causou muito desapontamento em toda a região”, diz Bershidsky, já que, afinal, os nórdicos são economias de mercado, capitalistas. “Só que de um tipo de economia de mercado diferente e mais atenciosa do que a dos EUA.”
Frida Ghitis, colunista convidada da rede CNN, acredita haver uma pista sobre a “obsessão escandinava” em um dos livros mais conhecidos do presidente americano. Em A Arte da Negociação, publicado originalmente em 1987, Trump conta que seu avô “chegou aqui quando criança vindo da Suécia”. Era mentira. De acordo com um historiador, o avô de Trump mudou-se da Alemanha para os Estados Unidos depois de não cumprir o serviço militar obrigatório. “Em seu coração, talvez o que Trump gostaria mesmo era de ser sueco”, escreve a colunista.
Já há quem arrisque qual será o novo alvo nórdico de Trump. “Até o momento, Trump fez a Suécia, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia rirem de sua idiotice”, escreveu no Twitter o jornalista americano Christian Christensen, professor de jornalismo da Universidade de Estocolmo e colaborador de publicações como o jornal britânico The Guardian. “Um comentário imbecil inevitável sobre a Islândia e ele vai ganhar na loteria nórdica.”